O papagaio de papel - Sebastião da Gama




Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!
Deixem-no lá, bem preso à terra,
vibrando!

Aos arranques,
a fazer tremer a terra,
a querer voar
pelo ar
até pertinho do Céu…

Deixem-no lá, deixem-no lá, o papagaio!
Deixem-no lá viver a sua inquietação
e ser verdade aquela ânsia
de fugir.
Não lhe cortem o cordel!
Poupem o papagaio à dor enorme
de cair,
papel inútil, roto, pelo chão.

Não lhe ensinem,
ao pobre papagaio de papel,
que a sua inquietação
é a única força que ele tem.

Deixem-no lá,
naquela ânsia de fuga,
no sonho (a que uma navalha
pode dar o triste fim)
de fazer ninho no Céu:
Sempre anda longe da terra, assim,
o comprimento do cordel…

Deixem-no lá, deixem-no lá,
o papagaio de papel!...



Sebastião da Gama
Itinerário Paralelo
Lisboa, Ed. Ática, s/d.

* * *

Queres dar voz ao papagaio de papel de que nos fala o poema? Pensa na sua inquietação, nos seus sonhos, na sua ânsia de fugir…